sexta-feira, 10 de setembro de 2010

NONO DIA FERNANDO

9 º Dia


Hospital de Órbigo a Molinaseca

63,0 Km



Tenho pensado porque o caminho é tão especial, e

concluo que são três os principais motivos: primeiro

porque tem um significado, segundo porque tem

uma história e terceiro porque tem muitas pessoas.

A maioria destas muitas pessoas tem um objetivo comum, e estão aqui despojadas de suas vaidades,o que

confere ao caminho algo muito especial, uma energia diferente e difícil de explicar. Muitas pessoas

sozinhas, outras com crianças pequenas, algumas com cachorros e até outra carregando uma cruz. Mesmo

estando de bicicleta, me sinto envolvido por esta vibração. É mágico.

Vamos parando de igreja em igreja. Em algumas entro e rezo, em outras apenas entro. Ontem em Hospital

de Órbigo fui assistir a uma missa. Entendia perfeitamente o que o padre falava, mas não prestei muita

atenção, pois no mesmo momento outra missa acontecia dentro de mim. Nela fui ordenado servo de um Deus

puro que não julga e não condena, que orienta e que dá oportunidades e mais, que nos confere o lívre arbítrio.

E sabe porque mais o caminho é tão especial? Porque ele reproduz a todo momento o nosso cotidiano,

com conquistas e frustrações, com momentos de paz e outros nem tanto, com o imprevisível, com o fato de ter que continuar, mesmo que pareça impossível conseguir, e a somatória disto tudo,  porque ele te mostra que você é especial e único, e que o grande significado da vida é viver, e que viver é experimentar. Sem culpas,mas com responsabilidade.

Adelante peregrino!

NONO DIA CARLOS

Os sonhos, aqueles que acordados alimentamos muitas vezes em nossas existências, são os balizadores dos nossos caminhos.


Como as setas amarelas no Caminho de Santiago, são eles que nos conduzem pelo caminho da vida.
Nesses dias de jornada peregrina está sendo possível avaliar o quanto eles foram importantes em meu caminho. Ainda criança já sonhava com aeroportos e aviões. Lembro mesmo que cheguei a montar uma pequena pista com aviões de briquedo onde passava horas imerso nessa fantasia. Com o pasar dos anos minha vida foi se encaminhando para a Força Aérea onde o cenário de meu trabalho era esse.

Como espectador privielgiado de minha própria existência, enquanto cruzo nessas pedaladas peregrinas, o norte da Península ibérica fiquei imaginando o quanto os sonhos são capazes de unir pessoas, cidades e naçoes. A recente conquista da Copa o Mundo uniu as várias comunidades que formam a Espanha e têm suas próprias bandeiras, em torno da bandeira espanhola, símbolo da realizaçao do sonho.

Sonhos comuns unem casais. A Malú e eu sonhamos em estar no Caminho em 2014 levando as nossas meninas Valentina e Carla Christina para agradecer a Santigo pelo presente delas existirem.

Bem,essa já é uma outra história que conto amanhã.

Carlos Beppler

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

OITVO DIA - FERNANDO

8º Dia
Puente Villarente a Hospital de Órbigo
40,0 Km

O caminho é sempre surpreendente. Pode continuar igual, mas é sempre diferente. Alguns brasileiros
fáceis de identificar, pois todos fazem questão de usar o emblema nacional. Único dos mais de 120
paises aqui representados a ter esta deferência, segundo temos observado.
Paramos em Leon para visitar alguns monumentos, em especial a catedral, e um amigo do Carlos.
A Espanha está muito bem preparada para receber os turistas, uma de suas principais fontes de renda.
Já não tenho mais noção do tempo, para saber que dia estamos preciso consultar um de meus equipamentos.

Nossa rotina diária funciona mecanicamente. Arrumar a bagagem, pedalar, procurar um albergue, desfazer
a mala, tomar banho, comer, lavar a roupa, escrever e dormir. Parece pouco, mas é o necessário para
que a viagem se desenvolva. A física é a óbvia. Me refiro a viagem para dentro, aquela que os olhos
não vêem. A atividade constante inibe a interferência de pensamentos não apropriados, elevando o nível
de consiência espiritual. Tem momentos pelo caminho que sinto não estar em mim, e quando me olho não
me reconheço. É como se eu não fosse aquela pessoa, ou talvez esta seja a pessoa que eu não queria ser.
Sem problemas, a verdade está no meio. É importante ser expectador do filme de nossas vidas, mas por
instantes, para que não percamos o enredo de nossas histórias.
E que o Grande Arquiteto do universo abençoe a todos nós.
Amém.

OITVO DIA - CARLOS



Hoje está sendo um dia muito especial no Caminho de Santiago.
Dia de lembranças de 2007, quando a Malú e eu fomos hospitaleiros no Albergue São Miguel onde agora me encontro.
Pedaços tão conhecidos do caminho, pedaços tão emocinantes de nossa vida.
Estou bem, meu espírito se expande e se projeta para
além do horizonte, me coloca perto da Malú , das pequena Valentina e Carla Christina. Amores de minha vida.


Hoje ainda é um dia muito especial por outro motivo.Outra pessoa muito importante,  que amo muito está aniversariando, ao meu filho Christian o meu abraço e que Santiago te proteja pelos caminhos
dessa vida.
A você, Christian, dedico as pedaladas peregrinas de hoje.

Carlos


















quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SÉTIMO DIA - CARLOS

Sétimo dia no caminho - Carrion de los Condes - Puentte Villarente




O caminho de Santiago consegue nos surpreender todos os dias em que nele estamos. Nesse sétimo dia de peregrinação entrei numa pequena igreja de tijolos, em um povoado em pouco antes de Terradilho de los Templários, apenas para selar a credencial. Do interior da capela um solo suave de violino chamou minha atenção. Entrei. O interior acolhedor convidava a meditação. Aí aconteceu algo surpreendente. Não sei se sonhei acordado ou se dormí e sonhei. Como num flash back lembrançasde minha vida inteira desfilaram em minha mente. Me ví criança com minha avó, meus pais comigo pequeno, meu primeiro dia de aula, as casas onde crescí. Ainda nesse desfile de lembranças a primeira bicicleta que ganhei quando fui para o ginásio e outros acontecimentos significativos da adolecência. A vida na Força Aérea, o acidente de avião que foi o primeiro sinalizador da fragilidade da vida e que me fez mudar muitas coisas. Os fihos maiores, as minhas pequenas Valentina e Carla Christina e história do pedido a Santiago para que a

Malú pudesse ser mãe. Enfim, uma retospectiva de um longo tempo.

A voz distante de meu companheiro de peregrinação me fez voltar a realidade. Um pouco assustado perguntei: quanto tempo tinha dormido. Ele respondeu que menos de cinco minutos. Uma pequena amostra do que pode ser a eternidade.

Pelo caminho depois vim pensando o motivo desse sonho tão real e concluí que, apesar de tantas encruzilhadas na vida, tantos caminhos e descaminhos, estou indo na direção certa. Que mesmo sem as setas amarelas Santiago tem me ajudado a encontrar o caminho certo na vida.



Carlos Beppler

SETIMO DIA FERNANDO

7º Dia


Carrión de los Condes a Puente Villarente

84,0 Km



Dormimos o sono dos anjos em um convento. O Carlos encontrou uns colegas: um roncava em dó, outro

em ré, o Carlos em mí e mais outro em fá. Uma beleza. Seria ainda mais divertido se fossem afinados.

Vida de "alberguino" não é facil. Eu adoro o meu saco de dormir, meu companheiro inseparável. Tem

até o cheirinho lá de casa.

Estamos andando em um ritmo muito forte para trilhas e caminhos. Devemos diminui-lo nos próximos

dias, sob pena de perdermos o que aqui tem de melhor: não ter pressa. Sabe como é, quando baixa o

espírito de competição, o pau pega. Também é divertido, mas não é a proposta.

A paisagem foi monótona, plana e igual o tempo todo. O frio e o vento continuaram nos acompanhando,

mas de uma forma mais branda, dada a presença do sol.

A cada dia que passa sinto-me mais energizado, mas ainda com olhos que olham apenas para fora. Tive

uma experiência muito forte em uma velha igreja, onde paramos mara rezar e meditar. Uma leve brisa

me envolveu e me fez arrepiar. Uma sensação de paz e bem estar incríveis.

E assim, um dia de cada vez, vamos avançando em nossa jornada rumo a Santiago de Compostela.

Obrigado pelas mensagens e "buen camino" peregrinos!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sexto dia Fernando


6º Dia


Tardajos a Carrión de los Condes

76,0 Km



Pela primeira vez nossas bicicletas ficaram na rua. Choveu bastante a noite, o que foi providencial

para remover a espessa camada de pó que as cobria. Até então o clima estava muito seco, o que

lembrava uma região semi-árida.

Levantamos cedo e às 7:00 h já estávamos na estrada. Como aqui amanhece tarde, saímos antes do sol

nascer, o que aumentou o mistério do caminho, suas sombras e seus ruidos. Almas peregrinas que nos

observavam.

Dia de muitos desafios que pos a prova nosso objetivo. Subidas intermináveis, pedra, lama, chuva,

vento e frio. Muito frio. Foram tantas as dificuldades que parecia que estávamos sendo testados em

nossa fé. Alias, quero agradecer a Deus por colocar em minha vida estes obstáculos e mostrar para

mim quão grande é a força de quem tem fé, energia esta que jamais pode ser desperdiçada, como fiz a

poucos dias. Ainda continuo em busca da minha verdade, mas hoje celebro a minha fé.

Sexto dia Carlos

Depois de uma noite chuvosa em Tardajos, próximo a Burgos, uma fria manhã nos recebeu no Caminho de Santiago nesse 7 de setembro. Estava me preparando para sair, ainda escuro, quando a imagem do Valdo com suas barbas brancas me fez lembrar de suas histórias e de quanto ele gostaria de estar conosco. Esse ex padre, que durante muitos anos pedalou pelos mais longíquos rincões, partiu para a grande viagem em 2009 enquando realizava seu sonho de dar a volta ao mundo de bicicleta. Adormeceu e não mais acordou em sua barraca na Cidade Juárez, no México, já próximo à fronteira com os Estados Unidos. Viveu seus últimos anos como peregrino e peregrino partiu.


Grande Valdo que com suas pedaladas chegou antes de todos nós a Santiago.

A você Valdo na Bike, dedico as pedaladas de hoje.



Carlos Beppler

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Quinto dia no caminho - Fernando


5º Dia
Villaria de Rioja a Tardajos
70,0 km

Surpreendente a acolhida que tivemos no albergue de Villaria de Rioja, administrado pelo casal Acácio
e Orietta. O local possue uma vibração incomum, e os anfitriões são pessoas muito especiais, que nos
trataram como pessoas especiais, levando a termo a função de hospitaleiro. Trabalho duro de muita
dedicação; função para poucos.
Segundo este hospitaleiro, 80% das pessoas que percorrem o caminho buscam resolver insatisfações
pessoais, motivadas pela complexidade da vida atual e que decorre da valorização da matéria ante o
espírito. Ou seja, do afastamento do Divino. A peregrinação é um instrumento que permite este
reencontro. Sem saber, ele falou o que eu precisava ouvir.
A medida que avançamos o número de peregrinos pelo caminho diminue. A experiência de estar de bicicleta
é muito interessante, pois como temos mais velocidade, sempre encontramos pessoas diferentes,
de várias nacionalidades e também alguns brasileiros. Muitos se assustam com nossa passagem, dado o
estado de transe em que se encontram.
As aldeias também vão ficando mais pobres. Com poucos jovens e economia baseada na agricultura, algumas
parecem correr o risco de desaparecer.
Em Burgos, um susto ao atravessar uma rua na faixa de segurança, onde um monociclo não respeitou a
minha preferência e por pouco não me derruba, batendo levemente na roda dianteira da minha bicicleta.
Apesar da rigorosidade dos trechos percorridos, estou bem fisicamente. Não sinto cansaço e tenho
muita disposição. Agora internamente...ah, isto é outra conversa. Se descobrir eu conto.
Prometo!

Quinto dia no caminho - Carlos








A noite passada no albergue   teve seu ponto alto na ceia comunitária preparada com carinho pela Orietta. Uma das velhas tradições do Caminho, desde os tempos medievais, reune os peregrinos para uma ceia onde os hospitaleiros convidam a todos os presentes para dizerem suas nacionalidades e o que os moveu para a peregrinaçao.
Em torno da mesa reunidos 10 pessoas de cinco países, Espanha, Brasil, Alemanha, Itália e Portugal. Sobre a mesa arroz e feijão bem brasileiros e vinho francês.
Impressionante esse ritual já quase esquecido no caminho e nas famílias. Em pouco tempo as conversas fluem animadas e logo a diferença de idiomas não se constitue mais obstáculo para o entendimento.
Pena que esse hábito tão saudável esteja sendo esquecido. No Caminho passamos por muitos albergues sem saber nada dos outros peregrinos. Em muitas famílias pais e filhos não têm mais esse momento especial em que tantas arestas poderiam ser aparadas. O que vemos hoje são pais e filhos  que mal trocam meia dúziade palavras durante todo um dia de convívio.
Ruim para o caminho, pior ainda para as famílias.

Carlos Beppler

domingo, 5 de setembro de 2010

Quarto dia no Caminho - Fernando


4º Dia
Ventosa a Viloría de Rioja
45,0 Km

Tenho refletido sobre as razões de estar aqui, mas ainda não tenho nenhum entendimento.
O que sei é que não vim para andar de bicicleta, nem me exercitar, nem provar nada para
ninguém. Não quero conhecimento, não quero informação, não quero história.
O Caminho de Santiago é para peregrinos, para quem busca respostas para suas inquietudes.
Aqui menos é mais. A razão da simplicidade se mostra  grandiosa em cada detalhe.
Hoje pela primeira vez tive prazer em trocar um pneu furado. E me senti grande por isto.
Não medi o esforço, não me preocupei com o tempo, apenas em executar a tarefa. E ela foi
breve e significativa.

Quarto dia no Caminho - Carlos




Os gregos tinham uma palavra especial para designar a forma mais superior de amor,""Ágape"".Seu significado transcende ao nosso conceito comum de amor. Ágape é o amor incondicional, de estar a serviço, de servir.

Jesus Cristo, Madre Teresa, Ghandi, Madre Paulina, podem exemplificar esse amor superior que escreveu para sempre seus nomes na história da humanidade.
No Camiho de Santiago essa mesma forma de amor destaca uma pessoa muito especial. Figura conhecida de quase todos que percorrem o Caminho Frances, na chegada de Logronho, os peregrinos encontram a sorridente Felisa que oferece o seu sorriso amigo,água e figos. Todos os dias ela faz de sua vida essa oferta aos peregrinos. Está escrevendo seu nome na história.
Esse mesmo caminho também te oferece exemplos do oposto do Ágape. No mesmo dia em que tivemos o privilégio de sentir esse amor incondicional, fomos recebidos por uma inamistosa hospitaleira que não tem nehum amor para oferecer. Cumpre suas tarefas de forma rude e imperativa, fez do albegue sua casa ao invés de fazer dele a casa do peregrino. Tanto desamor transforma um lugar bonito em um lugar que nao mais voltaremos.
Felizmente o caminho nos leva para frente todos os dias, assim a tal hospitaleira já é uma figura esquecida. Nem mais recordo seu nome.
O Caminho também tem suas compensações. Nesse momento estou no albergue do Acácioe e Orietta e Viloria de Rioja desfrutando da hospitalidade de um casal que  verdadeiramente entende o significado da palavra Ágape colocando-a em prática com todos os peregrinos que por aqui passam.

Santiago é grande,
Carlos Beppler